Tubos de papelão são tão comuns que já nem reparamos em sua existência - mas eles estão por todos os lados: no rolo de papel higiênico, na embalagem do diploma da faculdade, nos fogos de artifício e nas grandes indústrias de tecidos e papel. E agora, cada vez mais, podem ser encontrados em um lugar inusitado: nas paredes de casas e construções. O material faz parte da vida moderna - sendo produzido para uma infinidade de aplicações industriais e produtos de consumo. A grande maioria é utilizada como núcleos estruturais em operações de enrolamento: imediatamente após a fabricação, o papel, o filme ou o fio têxtil é enrolado diretamente em tubos de papelão - resultando em um rolo estável que é facilmente estocado e transportado.
Apesar de serem considerados commodities, são na verdade grandes obras de engenharia. Os tubos para mercados industriais são otimizados e projetados de acordo com a utilização específica - levando em conta a resistência e rigidez adequadas, ondulações e dobras na superfície interna, adesivos utilizados e etc. Por exemplo, alguns tubos devem ser projetados não apenas para suportar grandes cargas, mas também para evitar vibrações ao serem desenrolados em prensas de alta velocidade.
Na indústria da construção, tubos de papelão são amplamente utilizados desde a década de 1950 como moldes para colunas de concreto. Mais novo, porém, é seu uso como estrutura arquitetônica. Nos últimos 20 anos, tubos de papelão vêm atraindo arquitetos não só por serem uma opção de baixo custo, 100% reciclável e ambientalmente sustentável, mas também por terem propriedades mecânicas necessárias para suportar cargas estruturais.
Segundo pesquisa realizada pela arquiteta Gabriela Barros, da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, as conveniências do material não param por aí. Por ser leve, não exige fundações muito robustas, diminuindo o tempo da construção e o custo. Como o processo de instalação é feito por encaixes e vínculos, torna-se fácil a desmontagem e remontagem. Por permitir uma instalação simples e rápida, não é necessário que a mão de obra seja especializada. Além disso, o formato tubular oferece a possibilidade de embutir sistemas de hidráulica e elétrica e otimiza a resistência térmica e acústica - em função da parede de ar dentro do tubo.
O pioneiro no uso do material na arquitetura foi o arquiteto japonês vencedor do Prêmio Pritzker de 2014, Shigeru Ban, que em 1986 começou a testar estruturas temporárias e semi permanentes com tubos de papelão. No início, utilizava o material apenas em ambientes internos, com a função de divisórias. Em 1989, o arquiteto construiu um caramanchão e pela primeira vez utilizou os tubos de papelão com função estrutural. Para isso, o arquiteto realizou ensaios em laboratório, e identificou que os tubos de papelão resistem a 10 Mega Pascal (MPa), quando submetidos à compressão e a 15 MPa, à flexão. À medida que a complexidade estrutural dos projetos mudava, novos testes eram elaborados para garantir a integridade da construção específica. Após seis meses, o caramanchão foi desmontado para testes. Apesar de ter ficado totalmente exposto a intempéries, a resistência dos tubos de papelão aumentou por conta do endurecimento da cola utilizada em seu processo de fabricação.
Em 1994, Ban propôs um abrigo feito com tubos de papelão ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, órgão que o contratou como consultor. Em 1995, depois que o grande terremoto de Hansobe-Awaji em Kobe deixou 310 mil pessoas desabrigadas, ele criou a primeira “Casa de Troncos de Papel”, usando tubos de papelão como paredes e caixas de cerveja pesadas por sacos de areia como fundações. Isso formaria o protótipo para edifícios baratos, confortáveis e bonitos de auxílio a desastres. Nos anos seguintes, Ban utilizou o material na construção de inúmeras habitações temporárias - projetadas para ajudar nações atingidas por desastres como o Haiti, Ruanda e Japão.
Em 2013, o arquiteto projetou uma escola temporária após um terremoto atingir a cidade de Ya’na, Sichuan, na China. As dimensões da base são de 6 por 21 metros, com estrutura composta por tubos de papelão, vínculos de madeira, cantoneiras metálicas e cabos de aço. O formato tubular do papelão tornou possível criar um vão livre no interior do edifício, sem pilares. A construção foi realizada com a ajuda de voluntários, da população local e de estudantes do curso de arte e design de Kyoto, liderados pelo arquiteto Shigeru Ban.
Ban também utilizou tubos de papelão na construção de espaços para exposições temporárias. Em 2000, em Hannover, na Alemanha, foi convidado a projetar um pavilhão de papel reciclável - já que o tema da exposição era relacionado a questões ambientais. O projeto foi desenvolvido em parceria com o arquiteto Frei Otto e foi uma das estruturas mais complexas já construída com tubos de papelão. Para a cobertura foi desenvolvida uma membrana sem PVC a fim de não liberar dióxidos quando queimada.
Preocupado com as condições de vida dos refugiados, em 2011 Ban desenvolveu divisórias para garantir a privacidade daqueles que foram alojados em salas de aula e ginásios após o tsunami no Japão. O arquiteto usou tubos de papel, tela de lona e alfinetes para erguer, em poucas horas, paredes instantâneas ou “divisórias de papel”. No mesmo ano, Ban projetou a Igreja de Papelão em Christchurch, Nova Zelândia, após um terremoto atingir a cidade. Com vida útil prevista em 50 anos, a catedral temporária serve como substituta à icônica catedral Anglicana construída em 1864 - um dos edifícios mais valorizados de Christchurch - até que uma estrutura permanente seja construída.
As estruturas de tubos de papelão desenvolvidas por Shigeru Ban são fruto de uma engenharia rigorosa - que inclui tratamentos especiais para inibir a penetração da umidade e torná-los à prova de fogo, bem como processos que garantam estabilidade, segurança e manutenção adequadas. Eventualmente, Ban tornou-se tão bom em sua arquitetura de papel que foi capaz de erguer estruturas mais permanentes, como a já mencionada Catedral de Papelão na Nova Zelândia, que é projetada para sobreviver por pelo menos 50 anos - e talvez mais. Outros exemplos são a escola de papel na China, que está em uso há mais de 10 anos e já sobreviveu a vários terremotos desde então, e a Igreja Católica de Takatori, construída em 1995 no Japão, que foi doada para uma cidade no Taiwan onde permanece até hoje.
É importante salientar que a utilização de tubos de papelão é ainda experimental e demanda mais estudos técnicos e normativas para sua aplicação mais abrangente na indústria da construção civil. Os testes conduzidos por Shigeru Ban já comprovaram o seu potencial. O principal mérito de Ban ao transformar um material tão banal em verdadeiras obras de arte é também o de comprovar o poder transformador da arquitetura.
Publicado originalmente em 19/03/2019, atualizado em 05/08/2021